sexta-feira, 13 de maio de 2016


EU
*FLORBELA ESPANCA*

Até agora eu não me conhecia,
Julgava que era eu e eu não era
Aquela que em meus versos descrevera
Tão clara como a fonte e como o dia.

Mas que eu não era eu não o sabia
E, mesmo que o soubesse, o não dissera…
Olhos fitos em rútila quimera
Andava atrás de mim… E não me via!
Andava a procurar-me - pobre louca! -
E achei o meu olhar no teu olhar,
E a minha boca sobre a tua boca!
E esta ânsia de viver, que nada acalma,
É a chama da tua alma a esbrasear
As apagadas cinzas da minha alma!




(em "A mensageira das violetas")

 Poetas Poemas Poesias
O Instante Antes do Beijo
Não quero o primeiro beijo:
basta-me
O instante antes do beijo.
Quero-me
corpo ante o abismo,
terra no rasgão do sismo.
O lábio ardendo
entre tremor e temor,
o escurecer da luz
no desaguar dos corpos:
o amor
não tem depois.
Quero o vulcão
que na terra não toca:
o beijo antes de ser boca.

Mia Couto, in 'Tradutor de Chuvas'







Uma árvore traz sempre a febre do solo.
A inquietação da clássica epiderme da língua.
Cava a minúscula boca dos sentidos:
Nasce onde a Vida pertence.
Renasce na substância pura da matéria.

















Foto: Alice Castelejo






Um poema de José Luís Peixoto

http://quetzal.blogs.sapo.pt/204749.html

terça-feira, 1 de setembro de 2015




Não Sou De Cor, Sou Negra


Não sou de cor, sou negra cor de luto.
Não sou de cor, sou negra e contra o preconceito eu luto.
Não sou de cor, sou negra com coração sem rancor.
Não sou de cor, sou negra com coração que brota amor.
Os negros também merecem louvor.
Todas raças merecem valor.
Não sou de cor, sou negra porquê é que sou oprimida com o desnível social e racial?
Não sou de cor, sou negra com direitos humanos como geral.
A cor negra é uma das diferenças e riquezas, pele negra, também e cor de beleza.
 






















(imagem: L'arte de arredare - PEOPLE AROUND THE WORLD)


Morgado Mbalate

terça-feira, 11 de novembro de 2014




Quando
A noite me chegar
E o silêncio
Cobrir meu corpo de ave
Levem-me de volta
Ao jardim das aspirações
A essa imensa bruma
De estrelas incandescentes
Onde aprendi a ser piso
E dei ao tempo
Minhas asas a beber



Santos Beitrande

segunda-feira, 1 de setembro de 2014



Há um itinerário a percorrer
Cheio de buracos de estrada
Em todos os bons e os maus momentos
E chuva à espreita, no mistério de um olhar

E ainda em vaticínio de um futuro incerto
Pés estranhos
A silenciar o cantarolar das matas
Que nos dão uma nova rodovia sem sinalização

No entanto, em algum lugar
Dorme um rosto
Embalado num sonho
Para nunca acordar!


Santos Beitrande



segunda-feira, 21 de julho de 2014

Quando a hora chegar não quero estar lá
Não quero sentir a dor do justo chicote
Nem o punho duro que sobre todos cairá
Quando a hora chegar quero estar longe
Bem afastado da vingança entre os sanguinários
Que sem dó se esmagam numa ambição sem fim
Quando a hora chegar quero ser pó
e não ver o presságio da desgraça que essa gente sentirá
Quando a hora chegar chorarão os corruptos
Gritarão os mudos e os surdos ouviram a voz da esperança
Quando a hora chegar quero estar bem longe
E de lá observar a lenha seca a arder
No fogo que durante anos foi preparando
irrigado pelo sangue inocente
Quando a hora chegar
sorrirão os justos e os sem nome.


Laregil dos Santos 

segunda-feira, 2 de junho de 2014


Ao entardecer

Examino com apreensão os teus acanhados olhos escuros
E entre o fulgor dos astros que nos molham o pensamento
Não te avisto. Nem a ti, e nem a alma que te rouba os pecados
Intrínsecos ao sentimento que te abraça, que te afaga e não resigne.

Agora amontoas silêncios no canto escuro do teu universo
Pois a solidão que te devora consome ainda o ego que tens lacrado.
Já não tens mais sorrisos para ofertar e nem estrelas que te iluminem.
As que furtaste no empíreo também se ausentaram, te abandonaram

Hoje, longe da robustez que outrora te orgulhara
Junto as paredes de um tempo que a memória arruinou
Buscas a luz do sol nas tormentas que trespassam o teu rosto.
Queres tocá-la e abraçá-la. Mas não podes, a terra extorquiu os teus sonhos.
II
Mas ei-la sorrindo em meio a tempestade
Pura e cheia de amores, dança
E não descansa sob o bater das ondas
Nem o dia que se vai
Caminha sobre a praia sedenta de carinho
Apenas pensa no que a satisfaz.

Amo-te como o entardecer da aurora
Não há realidade sem sonho
E o teu que perdido estava
Agora tão vivo e risonho
Reacende a chama
Que havia sido apagada.
O desejo de ti afaga
O que dantes era dor
Talvez nem a morte separa
O que chamamos de eterno amor.


Santos Beitrande – Moçambique & Márcio Vidal Marinho - Brasil